terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Rindo da desgraça coletiva

“O melhor do Brasil é o brasileiro” é um mantra que vem sendo repetido pelas redes sociais.
Uma das características do brasileiro que deu causa a essa afirmação que é repetida o tempo todo é que gostamos de brincar em quase qualquer circunstância. Sentimos prazer em fazer rir. Temos orgulho de sermos pessoas espirituosas.
Com as redes sociais, estamos definitivamente empoderados porque nossa verve cômica não encontra limites, afinal dominamos a arte de criar memes que se espalham como se levados pelo vento.
Mas há um outro lado, nada divertido.
Estamos sob um Estado de exceção. Fomos vítimas de um golpe de Estado cujos objetivos vão ficando cada dia mais claros: a implantação de um neoliberalismo feroz e sem precedentes que irá vitimizar, principalmente, os mais pobres. As tímidas conquistas sociais da última década estão sendo varridas para debaixo do tapete. Com o discurso da contenção de despesas a elite econômica já começa a dar mostras de que seu investimento na desestabilização política já começou a render frutos.
Enquanto isso o povo faz memes. Engraçadíssimos, claro. Afinal, somos brasileiros, um povo que está de bom humor mesmo na desgraça.
Parece que a piada afasta a angústia do caos social que se aproxima decorrente das propostas do atual governo, que por sua vez está afinado com o Congresso que foi considerado o mais conservador e ilegítimo de todos os tempos. Mas ao mesmo tempo contribui para que fiquemos estagnados em nossa derrota. Rimos das chamas do inferno e assim ignoramos a queimadura. Consequentemente, não revertemos a tempo o processo da lesão corporal.
Atualmente as pessoas não se unem mais em torno de um exemplar físico de jornal para juntas interpretarem e discutirem a provocação constante de uma charge. Agora é cada um rindo sozinho atrás da tela do computador, com muita pouca chance de um compartilhamento de emoções reais que poderia levar a atitudes concretas.
Agora são tantos formadores de opinião postando o tempo todo, tantos a quem seguir, que carecemos de lideranças capazes de congregar os interesses, mesmo que diversos, e nos empurrar para além do ativismo de sofá.
A nostalgia me remete ao Circo para fins de analogia. Os palhaços estão fazendo graça para um público comodamente instalado na arquibancada. Há pipoca, refrigerante e até brindes para quem ficar até o final do espetáculo. Com o acender das luzes, vão embora da forma como vieram sem conhecer uns aos outros, sem vínculos. Nenhuma identificação que justifique comentários sobre os tropeços dos artistas ou sobre o politicamente incorreto de alguma piada. Apenas vão para casa dormir porque no dia seguinte têm que acordar cedo para continuarem sendo explorados, espetáculo que se repete toda noite e todo dia.
E os memes são produzidos incessantemente. Só que agora o Poder não precisa se ocupar do panis et circenses. Fazemos isso por conta própria.