domingo, 3 de abril de 2016

Os filhos e o tempo


 Já ouviram pessoas dizerem que crianças são isso e aquilo, “pena que crescem”?  Eu escuto isso desde pequena, inclusive quando a lamentação referia-se a mim: uma criança maravilhosa...”pena que vai crescer”.  No caso, EU ia crescer. Logo, deixaria de ser tudo de bom para me transformar em algo que eu nem sabia o que era, mas que não devia ser coisa boa, considerando a expressão de perda que geralmente acompanhava o comentário.
Até que tive as minhas próprias crianças. Talvez em algum momento eu tenha reproduzido essa fala tão comum.  É fácil sentir ‘pena’ de perder os bebês. Tão lindos, fofos, com aquelas roupinhas... Até que cresceram um pouco e começaram a andar e falar. Tão engraçadinhos!  Depois vieram as fases encantadoras da alfabetização, das perguntas incessantes, da proximidade com os amigos que logo viram sobrinhos emprestados.  Até os conflitos entre eles eram interessantes e, quando exigiam intervenção adulta, permitiam mútuos aprendizados. Aliás, falando por mim e por muitos pais e mães com os quais convivo, portanto ouço e observo, durante todo o período escolar somos mobilizados a participar de uma rede de aprendizados muito prazerosa que inclui o amadurecimento emocional dos filhotes. 
Quando chega a adolescência finalmente cai o véu e somos compelidos a enxergar a realidade de que os bebês se foram para sempre.  E que o que vem a seguir é algo por demais desafiador: lidar diariamente com o turbilhão emocional decorrente da brusca transição pela qual todos nós passamos e que exige dos pais, acima de tudo, MUITA paciência.  Mas acompanhar a saída definitiva da infância e o ingresso na vida adulta é também pura diversão!!  Porque nós mesmos ainda temos fresca a memória do que foi essa etapa das nossas vidas, diferentemente da já longínqua infância. Então é fácil reconhecer neles o que fomos e pelo que passamos há não muito tempo.  Eu mesma tenho bastante clareza de que alguns processos subjetivos que me construíram começaram justamente quando eu era adolescente e fico emocionada quando os vejo viverem situações semelhantes.  
Um dia, quando eu era criança, minha mãe me perguntou se eu seria sua amiga quando crescesse. Eu, lá pelos meus 4 anos de idade, respondi que não, claro! Como poderia ser amiga se eu já era filha? Naquele momento parecia que uma coisa era uma coisa e outra coisa só podia ser outra coisa. Foi por volta dos 40 fios brancos que eu me recordei desse diálogo. Algum fato qualquer, agora sem importância, acionou sinapses que me devolveram a cena e eu pude concluir que, pelo menos no meu caso, o desejo dela foi realizado e nos tornamos grandes amigas.  Duas mulheres adultas, uma cuidando da outra para sempre. 
Se a amizade entre pais e filhos é ou não algo inerente a essa relação, ou se tem seu alicerce em algum período específico, acredito que os pilares são construídos durante a adolescência. Uma fase belíssima para todos que dela participam e que às vezes é injustiçada pelo senso comum.  Eu sempre reajo quando pessoas vêm me dizer que agora que tenho adolescentes em casa é que os meus problemas vão começar. Digo que pelo contrário, tá cada dia mais legal ser mãe deles.
No balanço geral, apesar de sentir saudades de bebês que pediam colo, nunca senti pena de vê-los crescerem, justamente porque as novas aventuras não deixavam espaço para isso. Tudo é novidade, logo divertido e desafiador. Sem falar que o afago, o abraço, o beijo e a procura diante de uma dificuldade não desaparecem, apenas mudam de jeito. E se a saudade apertar basta olhar atentamente e veremos direitinho os nossos pequenos guardados naqueles corpos que vão ficando a cada dia maiores e diferentes. O olhar, por exemplo, não muda com o tempo.
Noutro dia, de bobeira, perguntei pra minha mãe se eu ainda era o bebê dela.  A resposta dela foi a única possível: “Claro que ainda é meu bebê!”
Como escreveu aqui no blog minha amiga Márcia, em qualquer fase da vida, “amor, sempre”.